Desembargadora vota pela anulação de decreto que autorizou usina de Belo Monte Em voto considerado histórico, Selene de Almeida posicionou-se pela anulação de licença ambiental da hidrelétrica. Ela enfatizou a necessidade de se regulamentar a consulta prévia às populações indígenas e tradicionais sobre os empreendimentos que afetem seus territórios
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Selene considerou inválido o Decreto Legislativo nº 788/2005, que autorizou o empreendimento. Ela argumentou que o decreto não retornou à Câmara depois de ser modificado pelo Senado e não observou a necessidade de consulta prévia às comunidades indígenas afetadas (veja o resumo do voto). “Sendo a oitiva da comunidade afetada um precedente condicionante à autorização, é inválida a autorização nº 788/2005. Não se autoriza para depois consultar. Ouve-se os indígenas e depois se autoriza ou não a obra”, afirmou a desembargadora em seu voto. “Apenas quando o processo concede a real oportunidade de manifestar sua vontade e influir na tomada de decisão é válida a oitiva”. A sessão foi interrompida por um pedido de vista do desembargador Fagundes de Deus, que alegou necessidade de examinar novamente os autos em razão da profundidade do voto. Ele pretende retomar o julgamento ainda neste mês. Além de Fagundes de Deus, votará também a desembargadora Maria do Carmo Cardoso. Se algum dos dois acompanhar o voto de Selene, o processo seguirá para o STF (Supremo Tribunal Federal). Selene de Almeida julgou o Recurso de Apelação interposto pelo MPF contra uma sentença da Justiça Federal de Altamira (PA) – onde a usina está sendo construída – que considerou válido o decreto do Congresso Nacional. O julgamento já tinha sido adiado em novembro de 2010 a pedido da AGU (Advocacia Geral da União). Ao todo, o MPF move 13 ações contra a hidrelétrica. Esta será a primeira decisão de mérito sobre o assunto a seguir para o STF. “O julgamento é muito oportuno porque acontece no momento em que o governo brasileiro e os povos indígenas dispõem-se a começar a discutir as regras para a aplicação do direito de consulta”, afirmou Biviany Rojas, advogada do ISA (saiba mais). Ela considerou o voto de Selene histórico por abrir caminho para consolidar a jurisprudência sobre a obrigatoriedade de realização de consulta prévia sobre projetos que afetem populações indígenas e tradicionais. Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o aproveitamento de 44% do potencial hidrelétrico da bacia amazônica e das bacias do Araguaia e Tocantins trará algum tipo de consequência sobre as TIs (Terras Indígenas). Cerca de 98% da extensão de todas as TIs do Brasil estão nesta região, considerada a mais nova fronteira energética do País. Consulta Prévia e Constituição De acordo com a desembargadora, a obrigação da consulta decorre da Constituição Federal e tem eficácia jurídica plena, ou seja, aplicação imediata. “Estou dando aqui uma decisão conforme a Constituição (...) a primeira constatação que se tem da mera leitura do § 3º do artigo 231 é a obrigatoriedade da consulta, não é uma faculdade do Congresso. O Constituinte ordenou que sejam ouvidas as comunidades afetadas para que participem da definição dos projetos que afetarão sua vida”, observou. O ponto central do voto é que a consulta às comunidades afetadas deve ser realizada antes do Congresso autorizar ou não a exploração de recursos hídricos em TIs. Além disso, essa consulta deve ser “informada”, isto é, comunidades e o Congresso devem dispor de estudos que subsidiem a consulta e a decisão sobre o empreendimento. “A lógica indica que o Congresso só pode autorizar a obra em área indígena depois de ouvir a comunidade. Por outro lado, só pode proceder a consulta depois de conhecer a realidade antropológica, econômica e social das comunidades que serão afetadas pelos impactos ambientais”, completou Selene. “O Congresso autorizou sem previsão dos impactos na região e sem avaliar a dimensão dos danos e benefícios do projeto da usina, em resumo, faltou ao Congresso informação científica relevante para autorização.” Segundo a desembargadora, o Congresso omitiu-se da sua obrigação Constitucional de conciliar o interesse do país e os direitos indígenas, por meio de um procedimento adequado. “A necessidade de desenvolvimento do país e o aumento de suas matrizes energéticas exigirá que se estabeleça, desde logo, um modelo de consulta que evite a insegurança (...) o avanço da fronteira agrícola, a crescente necessidade de construção de hidrelétricas e de exploração de recursos minerais torna urgente o enfrentamento das questões suscitadas pela Convenção 169 da OIT (...) o país terá que se debruçar sobre o problema da consulta e resolvê-lo”, conclui o extenso voto da desembargadora, lido por quase duas horas. Convenção 169 Selene de Almeida observou que “o país não pode evitar abordar a questão de quem, como, onde se faz a oitiva da comunidade. (...) as prescrições da Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], além de vinculantes podem ter enorme valia na construção interna deste modelo de processo de consulta das populações indígenas (...).” O voto listou os requisitos mínimos que a consulta prévia deve atender para ser considerada válida: ela deve ser anterior à autorização do empreendimento; os interlocutores precisam ter legitimidade; exige-se que se proceda a uma pré-consulta sobre o processo de consulta, tendo em vista a escolha dos interlocutores legitimados, o processo adequado, a duração da consulta e o local em cada caso; o resultado da participação deve se refletir na decisão do Estado. O voto detalhou ainda como pode ser realizada a consulta dentro do processo legislativo no Congresso, apontando que “o momento adequado para se proceder a consulta das comunidades é antes da votação da matéria nas comissões técnicas do Congresso.” Apesar da posição favorável à anulação da licença ambiental, Selene de Almeida não atendeu integralmente o recurso do MPF. Ela não acatou o argumento de que haveria necessidade de lei complementar para a regulamentação da exploração de recursos hídricos em Terras Indígenas, o que deverá ser feito por lei ordinária. | ||
ISA, Ana Paula Caldeira Souto Maior e Bárbara Fontoura. |
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quarta-feira, 19 de outubro de 2011
SURGE UMA ESPERANÇA PARA OS POVOS INDÍGENAS E PARA O PLANETA?
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