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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Crônica da Feitiçaria

GAGE, Matilda Joslyn. Woman, Church and State - cap. V. - Witchcraft, 1923

[www.sacred-texts.com/wmn/wcs/wcs07.htm]

trad. & adaptação: ligiacabus

Na Europa, no começo do século IV [anos 400, começo da Idade Média], quando o Cristianismo tinha já suas gerações de fiéis familiarizados com crenças, descrenças e preconceitos; gerações acostumadas a entender a diferença entre pagão e cristão, naquela época, os rumores sobre a resistência de certos costumes antigos passaram a ser comentados em meio ao povo como algo de escandaloso. Falava-se de reuniões furtivas de bruxas e feiticeiros: as Assembléias de Diana ou Herodia.
Quando a Igreja resolveu endurecer sua perseguição à religiosidade pagã na Europa ocidental, seus ministros, os padres, os cônegos, os bispos, trataram de elaborar e instituir o arquétipo da bruxa, do feiticeiro e suas práticas primevas, pseudo-religiosa, animistas-politeístas e, sobretudo, malignas ─ porque tudo aquilo era a aplicação de um conhecimento bárbaro ministrado pelo Diabo, o inimigo da Humanidade que o Cristianismo tinha a força necessária para combater.
Os deuses e semideuses da Era ou dos Tempos Antes de Cristo tornaram-se, então, oficialmente, o oposto da divindade; eram todos demônios, ministros do Capeta que reinavam unicamente sobre a carne fraca e todas os desejos associados à matéria. A bruxa, a curandeira, o feiticeiro, eles eram maus. Pessoas que tinham vendido suas almas ao Diabo, que deleitavam-se com os infortúnios alheios. Para tornar ainda mais ostensiva a maldade de seus atos, escolheram a madrugada dos sábados para realizar seus ritos mais ímpios. Ir ao Sabá significava tomar parte em uma orgia.

Para Saber se Alguém Era Um Feiticeiro, uma feiticeira era preciso observar com cuidado certos indícios. Por exemplo, as bruxas [e bruxos também] mantinham uma especial relação com os animais. O companheirismo entre a bruxa e o gato preto tornou-se uma associação folclórica em diferentes países de cultura ocidental. Possuir qualquer animal estimação era um perigo para uma mulher. Houve uma que domesticou um sapo; foi condenada a morrer na fogueira. Se as circunstâncias fossem desfavoráveis, para um [a] suspeito [a] ter ou ser acompanhado por um animal negro era praticamente um diploma e uma confissão de bruxaria. Durante o reinado de Luis XV, França, os gatos pretos eram queimados junto com suas supostas mestras, empalados em estacas.

Outros Sinais ─ As bruxas não encaram as pessoas; têm o olhar errante, sempre espiando tudo.; ou então, mantêm os olhos baixos, fixos no chão. Isso era um problema para as mulheres porque a Igreja dizia que a mulher deveria manter os olhos baixos para se preservar das visões vergonhosas e para mostrar sua própria e eterna vergonha, por ter sido responsável pela introdução do pecado no mundo. O controle do tempo, das chuvas, dos ventos, das secas, também eram acusações freqüentes contra mulheres consideradas bruxas. Muitas morreram nas chamas acusadas de causarem estiagens ou enchentes.

O Diabo Prefere Mulheres ─ O Diabo já foi acusado de ser homossexual, pedófilo, zoófilo, sodomita, pansexual; mas o fato é tradicionalmente, o Diabo prefere assediar mulheres. As mulheres têm inibições e, ao mesmo tempo, desejos e ambições. No ambiente dos campos e florestas, ela também é um ser extremamente solitário e aflito. Tudo isso faz das mulheres presas mais fáceis. A bruxaria é um pecado típico das mulheres. Um escritor avaliou que para cada cem amaldiçoados apenas um é homem. No tempo de Luis XV de Bourbon ─ o Bem Amado [1710-1774, França] essa proporção cresceu notavelmente: 10 mil bruxas para um bruxo. Outro cronista afirmou que, somente na França havia cem mil bruxas.

Licantropia & Metamorfoses ─ Nos primeiros tempos da marginalização da feitiçaria, era comum a crença no poder dos bruxos em tomarem formas de animais. Em meio à Cristandade, circulavam as versões populares dos ensinamentos de Santo Agostinho [354-430 d.C., ex-pagão, teólogo, filósofo, Doutor da Igreja]: [um anfitrião, um hospedeiro, mesmo um estalajadeiro pode ser um bruxo, ou bruxa. Quando isso acontece corre-se o risco de ser enfeitiçado. Esses hereges...] muitas vezes, colocam objetos amaldiçoados em um tipo de queijo que eles mesmos fazem; então, o hóspede ou viajante, comendo aquilo, no mesmo instante, metamorfoseia-se em bestas de trabalho como cavalos, asnos ou bois.

Sabe-se que certas patologias mentais [psiquiátricas] fazem com que as pessoas afetadas percebam a si mesmas como animais, como um pássaro, por exemplo; ou, ainda, há os que se convencem que são objetos inanimados, uma cadeira, um vaso. Porém, ao longo da história da Cristandade, ocorreram estranhas epidemias de terror em torno de cidadãos comuns que se acreditavam passíveis de transformarem-se em criaturas fantásticas, encantadas. Os episódios de Licantropia, são recorrentes. Em 1600, em Jura [França], um Lobo furioso, um Lobisomem, transformou-se em ameaça à segurança pública.

A maldição animalizava pessoas que passavam a caminhar como quadrúpedes até que suas mãos tornavam-se calosas e as unhas grossas como garras. Comportavam-se como lobos e como lobos, caçando em matilha, matavam e devoravam crianças. sessenta pessoas foram executadas como lobisomens confessos, muitos dos quais admitiram ter firmado pactos com o Diabo e admitiram muito mais: a participação em Sabás, nas montanhas, onde compartilharam de práticas canibais. Nesses festins, o Diabo tinha usado seus poderes para transmutar seus seguidores em lobos. As bruxas, [como já é tradicional] cavalgavam animais, geralmente um bode e, naturalmente, também voavam em vassouras ou, pior, escoltadas por demônios.

Perseguição: No século VIII [anos 700], o imperador cristão Carlos Magno [747-814, alemão], foi o primeiro a usar a tortura em casos de bruxaria. Esse imperador desafiava o poder do Papa e reclamava jurisdição sobre territórios da Igreja [católica apostólica romana]. Ele mesmo tornou-se um autocrata religioso. A tortura foi, então, rapidamente adotada na Europa e, mais, tarde, tornou-se um procedimento de praxe nos inquéritos conduzidos pelos ministros católicos. Em 799, o Concílio de Salzburg, regulamentou a utilização da tortura nos julgamentos por bruxaria.

Especialmente nos processos contra mulheres, a tortura era considerada necessária como método eficiente de forçar as suspeitas a falar a verdade. No começo, crianças pequenas e mulheres grávidas foram poupadas; mas a crueldade insana recrudesceu. Com o tempo idade, sexo ou condição de gestante já não eram impedimentos para a aplicação dos suplícios. Muitas mulheres foram levadas a fogueiras em meio às dores do parto.
Em Guernsey [uma das Ilhas do Canal da Mancha, protetorado britânico], uma mulher e suas duas filhas foram levadas à estaca; outra, casada, com uma criança, e em plena hora deu à luz em meio à execução a pena de morte na fogueira. O recém-nascido, resgatado das chamas por uma alma piedosa, foi arrebatado por um padre que atirou o bebê de volta ao fogo que comentou: "Um herege a menos".

O Terror, O Terror! ─  James Sprenger [1436/1438 – 1494, suíço ─ padre dominicano], considerado um dos autores do Malleus Maleficarum [Witch Hammer ou Martelo das Feiticeiras] foi um dos propagadores da crença na tendência malgna das mulheres. Para ele, classe social ou qualquer outra condição não minimizavam em nada as suspeitas sobre qualquer mulher: meninas, velhas, jovens adolescentes, nenhuma escapava se o Inquisidor resolvia, depois de consultar e seguir as prescrições do precioso Malleus, que a acusada era uma bruxa.
Sprenger chefiava um grupo de homens conhecido como Traveling Witches Inquisitors [Caçadores de Bruxas Itinerantes]. Eles peregrinavam, de país em país da cristandade em busca de vítimas que seriam torturadas e mortas. Quando chegavam em uma cidade, eram considerados uma praga pior que a fome e a peste.

O terror instalou-se como epidemia. Uma acusação de bruxaria comprometia toda a família. Aquilo destruía todas as virtudes comuns de fidelidade, compaixão, solidariedade. Se a suspeita ameaçava se estender a outros parentes, estes, procuravam, como desesperado recurso de auto-preservação, ajudar a Igreja a juntar provas sobre o acusado [a].

Queimar Mais Rápido ─  O terror instalou-se como epidemia. Uma acusação de bruxaria comprometia toda a família. Aquilo destruía todas as virtudes comuns de fidelidade, compaixão, solidariedade. Se a suspeita ameaçava se estender a outros parentes, estes, procuravam, como desesperado recurso de auto-preservação, ajudar a Igreja a juntar provas sobre o acusado [a]. Além da vergonha e da desgraça que caíam sobre acusado [a] e família havia toda aquela horrenda perspectiva da violência que viria em seguida: o destino dos réus, a menos que um milagre os salvasse, todos sabiam era a morte lenta e dolorosa sob a agonia das piores torturas.
Uma mulher escocesa, acusada de bruxaria e sentenciada a ser queimada viva, resistiu a todas as pressões dos Inquisidores e manteve a alegação de inocência. Em meio à tortura, somava-se aos tormentos da mulher uma sede intensa [posto que os carrascos não lhe permitiam um copo de água]. Em meio à multidão [a coisa era pública] ela viu seu único filho e clamando seu nome, implorou, pelo amor que tinha por ele que saciasse sua última necessidade: água.

O homem balançou a cabeça em desalento e nada disse; ele sabia que a mãe era completamente inocente mas isso não o comoveu; o medo falava mais alto. Todavia, ela não parava de clamar e dizia: "Eu preciso de água, meu corpo está ressecado". Finalmente, como que para calar a súplica constrangedora, o filho respondeu: "Melhor assim, mãe. Ressecado. Deste modo vai queimar mais rápido".

Mother Goose


Ilustração para Contes de ma Mère l'Olye, Gustave Doré

A feitiçaria européia era muito mais que um problema para os padres católicos. Era um elemento cultural. Uma tradição arraigada no imaginário popular.

As perseguições tinham o efeito colateral de atiçar a curiosidade do povo e resgatar antigas crenças, muitas delas, expressas em contos e cantigas populares que foram preservadas na cultura oral de muitas gerações.

A vovó, a velha da aldeia contadoras dos contos de fadas, que bem poderiam ser chamados de contos de bruxas, tornou-se um tipo folclórico, como a idealizada Mamãe Ganso, representada sempre rodeada de crianças sequiosas por ouvir cada seqüência da fantásticas aventuras dos seres encantados. Uma canção para crianças dizia:

Mulher, velha mulher
Aonde vai você vai
voando, assim, tão alto?
Eu vou varrer
as teia de aranhas do céu


No Brasil, as mamães gansas também foram as matriarcas, avós e Bás dos casarões, dos sobrados e dos mocambos. Gilberto Freire, em suas obras Casa Grande & Senzala e Sobrados e Mocambos, chama atenção para a peculiaridade da cena brasileira onde a criadagem e, especialmente as amas de leite e as Babás eram escravas, negras, que traziam na memória os mitos da Mãe África.

Também não se pode esquecer da vassalagem indígena. A convivência com os nativos de Pindorama acrescentou à fantasia dos colonos inúmeros elementos das crenças da floresta tropical.

Deste modo, nos serões brasileiros, os contos e encantados europeus misturavam-se, miscigenavam-se com seus análogos africanos e indígenas.


Mulheres, Igreja e Santidade

Em 08 de dezembro de 1854, o Papa Pio IX definiu solenemente o Dogma da Imaculada Conceição [da concepção virgem] de Maria, mãe de Jesus [e de Jesus também].

A decisão apenas confirmava uma crença e uma devoção que existia há muito tempo, antes mesmo do advento do Cristianismo. Essa idéia da virgem-mãe também não é um elemento original da doutrina mitológica-mística cristã: a adoração da mãe sem a mácula do pecado, do sexo, remonta ao antigo Egito.

Na Santa Trindade egípcia, Ísis, divindade feminina, ocupa um lugar que que o catolicismo entregou ao Espírito Santo [Osíris e o filho do casal, Hórus, completavam a trindade].

Porém, essa divindade virgem-mãe, sem mácula é, antes de tudo, a expressão de uma idéia da metafísica religiosa. do ocultismo. A virgem-mãe é matéria primordial que gera a partir de si mesma ou, como preferem alguns teólogos, o Deus não-nascido, o nascido de si mesmo. Note-se porém que Deus não tem um sexo físico, antes, seria um andrógino, um ser Pai-Mãe.

A virgem mãe poderia ser perfeitamente o virgem-pai. No plano das energias sutis da criação o que na Terra identifica-se como sexo, sexualidade, qualidades femininas e masculinas,  no plano matricial de todas as coisas, macho e fêmea são energias primárias, diferentes, opostas e complementares e sem genitálias!.

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