Como Jesus chegou a ser nazista no Protestantismo alemão
Susannah Heschel
Queria levantar a pergunta de porque a teologia se sente atraída para o racismo. Nisso me refiro especialmente a neotestamentólogos do início do século 20 e sobretudo do tempo dos nazistas. O surpreendentemente grande número de professores proeminentes, de cientistas e estudantes jovens que eram envolvidos em esforços de associar nazismo com cristianismo, pretende aqui não simplesmente ser entendido como reação ao desenvolvimento político ou como resultado duma discussão dentro da teologia. Antes, queria mostrar que perceberam e levaram à luz do dia afinidades fundamentais entre racismo e teologia. O meu ensaio esboçará os desenvolvimentos, que queria descrever somente em parte, e a seguir analisar essa afinidade imprevista. A base da minha apresentação é material de arquivo que faz poucos anos descobri na Alemanha. Evidencia a existência dum pseudo-instituto de pesquisa para teólogos, o qual se assemelha a outros institutos pseudocientíficos para a "pesquisa dos judeus", os quais foram instalados em quase todos os âmbitos acadêmicos da Alemanha durante o "Terceiro Império". Descreverei brevemente a história, a atividade, os membros, a ideologia etc. do instituto. Por razões de espaço omitirei lamentavelmente exposições sobre as carreiras com sucesso de membros do instituto depois da guerra. Igualmente, tratarei de somente dois aspetos do trabalho "científico" dos membros do instituto, a saber o entusiasmo pelos métodos da escola de história de religião e da participação de muitos desses cientistas na pesquisa dos rolos do Mar Morto depois da guerra.
Descrição do instituto
No meio dia do sábado de 6 de maio de 1939, um grupo de teólogos, pastores e freqüentadores de igreja protestantes e reuniu na Wartburg histórica para, repleto de orgulho luterano e nacional-socialista, celebrar a abertura oficial do "Institut zur Erforschung und Beseitigung des jüdischen Einflusses auf das deutsche kirchliche Leben" [Instituto para a pesquisa e eliminação da influência judaica na vida eclesial alemã]. Os fins do instituto eram tanto políticos como também teológicos. Para conseguir uma Igreja "desjudizada" para uma Alemanha que estava a "limpar" a Europa de todos os judeus, o instituto desenvolveu novas interpretações da Bíblia e material novo para a liturgia. Nos seis anos da sua existência, durante os quais o regime nazista cometeu o genocídio nos judeus, o instituto definiu de novo o Cristianismo como uma religião germânica. O fundador desta, o ariano Jesus, teria lutado corajosamente para destruir o Judaísmo e teria caído vítima na luta, assim que os alemães agora estariam exortados a chegar a serem vencedores na própria luta de Jesus contra os judeus. No nível teológico, o instituto conseguiu sucesso notável, porque ganhou um grupo de representantes de Igreja e professores para a sua agenda radical, os quais saudavam a eliminação de elementos judaicos da Bíblia e liturgia cristãs, bem como a neodefinição do Cristianismo como religião ariana. Membros do instituto e muitos outros no Império trabalhavam dedicadamente "para o Führer [Líder, Dirigente = Adolf Hitler]", como Ian Kershaw o formulou, para ganhar a luta contra os judeus. A sua dedicação os fez cada vez mais extremos, assim que trespassaram a doutrina cristã tradicional e, em vez desta, contraíram uma coalizão com líderes neo-pagãos. Começaram com uma propaganda de difamar, a qual correspondia às medidas do Terceiro Império contra os judeus. "Ariano" estava, correspondentemente a isso, não simplesmente só para características físicas ou biológicas, mas ainda mais para uma índole interior, a qual era ao mesmo tempo poderosa e também profundamente vulnerável, precisando da proteção duma ameaça de degeneração por não arianos, principalmente por judeus. Na Alemanha nazista, a "higiene de raça" chegou a ser uma disciplina, na qual era ensinado como o corpo, em que o espírito ariano habita, possa ser protegido; a teologia desse instituto se dedicava à assistência a esse espírito.
A maioria dos membros e especialmente o diretor acadêmico do instituto, Walter Grundmann, professor para Novo Testamento em Jena, se via como vanguarda teológica, a qual se dedicava a resolver dum problema que já faz muito tempo atormentava: Como se pode tirar uma fronteira clara e explícita entre o Cristianismo primitivo e o Judaísmo, eliminando todos os vestígios de influência judaica da teologia e prática cristãs? Como cientistas pertencentes preponderantemente à geração mais jovem, que foram formados pelos pesquisadores do Cristianismo primitivo alemães — muitos eram discípulos do professor importante de Tübingen, Gerhard Kittel — os membros do instituto se viam em condição para recuperar o Jesus historicamente genuíno, não judaico, fazendo a mensagem cristã compatível com identidade alemã contemporânea. Quiseram limpeza, autencidade e uma revolução teológica — tudo em nome do método histórico-crítico e da sua dedicação ao "Deutschtum". Alcançar isso eles quiseram pela extinção do judaico do cristão. Nem uma mensagem cristã que estivesse com judaico poderia ser útil a alemães, nem uma mensagem judaica poderia ser uma doutrina exata de Jesus.
Os fins do instituto foram explicados sem rodeios por Grundmann na inauguração do mesmo numa alocução programática sobre "A remoção do judaico da vida religiosa como tarefa da teologia alemã e da Igreja". Esta era, assim declarou, comparável como aquela da reformação: Os protestantes precisam hoje superar o Judaísmo como Lutero superou o catolicismo. A eliminação da influência judaica à vida alemã seria uma interpelação à situação religiosa alemã daquele tempo. Como as pessoas no tempo de Lutero não podiam imaginar um Cristianismo sem o papa, assim não poderiam hoje em dia — assim Grundmann — os cristãos imaginar uma salvação sem o Antigo Testamento. Mas esse fim estaria alcançável. A ciência neotestamentária moderna teria mostrado que "somente por força duma transformação, idéias neotestamentárias e cumprimento neotestamentário podiam ser encontrados como pré-formados no Antigo Testamento. Assim se acresce com pleno ímpeto a percepção do judaico no Antigo Testamento e também em determinados partidos do Novo Testamento como elemento que obstrui para inúmeras pessoas humanas alemãs o acesso à Bíblia."1
A Bíblia, assim Grundmann continuou, deveria ser limpada, a sua qualidade não-falsificada restituída, para anunciar ao mundo a verdade sobre Jesus, a saber que era um ariano, o qual aspirava a destruição do Judaísmo. Grundmann deu um esboço das tarefas científicas as quais se punham ao instituto. Essas incluíram, segundo ele, esclarecer o papel do Judaísmo no Cristianismo mais primitivo e a sua influência à filosofia moderna. Cada oposição contra o nacional-socialismo a partir da Igreja teria partido duma influência nociva do Judaísmo, como por exemplo a afirmação de cientistas judaicos de que Jesus teria sido um judeu. Os judeus teriam destruído o pensar nacional dos alemães, querendo agora, com a ajuda do bolchevismo, forçar o "domínio mundial do Judaísmo". A ameaça judaica da Alemanha seria séria: Daí teria passado, assim Grundmann em aceitação da propaganda nazista, a luta contra os judeus irrevogavelmente ao povo alemão.2 A guerra contra os judeus é para ele não somente uma batalha espiritual: "A influência judaica a todas as áreas da vida alemã, inclusive da vida religiosa-eclesial, deve ser desmascarada e quebrada."3 Essa frase é que Grundmann a repete várias vezes, para descrever a tarefa do instituto.
De 1939 a 1945, o instituto funcionou como uma grande cobertura, sob a qual se podia articular um grande número de posições teológicas antijudaicas de cientistas e pastores. Alguns, como o próprio Grundmann, empenhavam-se para o afastamento do Antigo Testamento da Bíblia cristã., porque é um livro judaico.
Outros, como Johannes Hempel, professor do Antigo Testamento na universidade de Berlim, tentavam a manter o Antigo Testamento para os cristãos, já que era no fundo uma mensagem sobre o povo de Israel (e não sobre os judeus), a qual seria importante para o povo alemão ouvir.
Entre os membros ativos do instituto encontravam-se cientistas de reputação internacional dos escritos judaicos, como Hugo Odeberg, mas também estudantes de teologia e demagogos, como Hans-Joachim Thilo e Wolf Meyer-Erbach.
Em 1942, no ano então em que a maioria dos judeus europeus foi assassinada, o número dos membros como o dos assuntos foi ampliado, convidando escritores populares para preleções sobre a herança teutônica da Alemanha e a sua compatibilidade com o Cristianismo.
O que unia os membros do instituto era a confissão para a exterminação do judaico como meio para a limpeza do Cristianismo e da Alemanha. No público conhecido como "instituto de desjudiação" o instituto era o instrumento da Igreja Protestante para a propaganda anti-semita. Resultados teológicos sobre ensinamentos de Jesus e a sua relação aos judeus do seu tempo foram formados para apoio retórico da ideologia nazista, assim que o nazismo apareceu como a realização política daquilo que os cristãos ensinavam religiosamente. Conferências e publicações do instituto chegaram a ser conhecidas, não pela sua originalidade científica, mas porque fizeram exegese da Bíblia e história de religião com métodos da doutrina de raça. Com membros que pertenciam aos teólogos, professores e docentes líderes do Terceiro Império inteiro, o instituto encobria cientifica e religiosamente um anti-semitismo politizado, o qual refletia a retórica do ministério de propaganda na sua descrição da guerra como pretensa defesa contra uma guerra judaica contra a Alemanha. Grundmann escreveu em 1941: "Então, porém, o nosso povo que está na luta, contra os poderes satânicos do judaísmo mundial, por ordem e vida deste mundo em geral, com direito lhe dá a despedida, pois não pode lutar contra o judeu e abrir o seu coração ao rei dos judeus."4 Com a prova de que Jesus era, não judeu, mas sim adversário dos judeus, Grundmann ligou o trabalho do instituto com os esforços de guerra dos nazistas.
A extensão da força de atração do instituto era notável: professores universitários, docentes e estudantes evangélicos de teologia em todo o Império chegaram a ser membros do instituto. Representavam um corte transversal de disciplinas, lugares geográficos, anos e níveis de obras científicas dentro do Império. Queria nomear alguns "representantes":
Walter Grundmann era professor para Novo Testamento na universidade de Jena. Aí lecionaram mais outros membros do instituto, Heinz Eisenhuth, professor para teologia sistemática, e Wolf Meyer-Erlach, professor para teologia prática. Johannes Hempel era desde o começo um membro ativo e estava muito perto de Grundmann, este que pediu a sua ajuda na propaganda para o instituto nos representantes eclesiais de Berlim. Hempel era professor para Antigo Testamento na universidade de Berlim e até 1959 editor da ZAW [Zeitschrift für Alttestamentliche Wissenschaft = Revista para a Ciência do Antigo Testamento].
Georg Beer, antigotestamentólogo na universidade de Heidelberg, era um dos membros mais velhos do instituto e perito para o Judaísmo rabínico.
A teologia sistemática foi representada por Martin Redeker, pesquisador de Schleiermacher na universidade de Kiel e por Theodor Odenwald da universidade de Heidelberg.
A ciência neotestamentária foi representada por Johannes Leipoldt da universidade de Leipzig, Herbert Preisker da universidade de Breslau e por Hugo Odeberg da universidade de Lund.
Membros mais jovens eram Georg Bertram, Gerhard Delling e Karl Euler. Alguns eram membros do partido (nazista), enquanto outros nunca entraram no partido [nazista].
Exatamente aquilo que acadêmicos procuravam foi oferecido pelo instituto: apoio em publicações e conferências para apresentar idéias, reuniões para encontrar colegas e a sensção da própria importância. Para membros que eram pastores, professores de religião ou estudantes de teologia havia a possibilidade de se poder encontrar com professores conhecidos do Império inteiro e da Escandinávia — uma grande atração, já que o instituto pagou todos os gastos. Valiosa apareceu também a oportunidade de poder publicar nos livros financiados pelo instituto, já que papel e e promoção durante a guerra eram escassos.
Os membros eram subdivididos em grupos de trabalho, produzindo dentro de um ano uma versão "desjudizada" do Novo Testamento, um cancioneiro "desjudizado", um catecismo nazificado e um grande número de livros e panfletos para leigos e cientistas, nos quais expuseram os seus argumentos teológicos. O instituto organizava muitas conferências e fundou uma filial na România, para ajudar a "alemães étnicos". Embora o instituto fosse fechado em 1945 pela Igreja do país de Turingia por falta de financiamento, os seus membros nunca foram repreendidos pelas suas Landeskirchen [Igrejas regionais] depois da guerra por causa do seu trabalho anti-semita. Hempel, por exemplo, que transformou o conhecido Institutum Judaicum de Berlim, que dirigiu de 1937-1945, para um centro de ciência racista, manteve a editoria da ZAW.5
Teoria racista e Teologia
A minha pergunta abrangente é porque a teoria de raça era atrativa para teólogos protestantes da Alemanha durante a primeira metade do século 20, e porque era tão fácil interpretar o Cristianismo em categorias racistas. O racismo que se espalhou na segunda metade do século 19 na Europa, atraia protestantes alemães, primeiro, como componente nacionalismo. Com o século 20, porém, o racismo, especialmente o anti-semitismo, chegou a ser um meio da modernização do Cristianismo e da legitimização das suas doutrinas. Jesus foi apresentado, primeiro como adversário do Judaísmo, a seguir como inimigo deste e, finalmente, como ariano.
A questão pelo trabalho do instituto na "desjudização" do Cristianismo precisa ser contemplada, não somente em conexo com a política do "Terceiro Império", mas também como fenômeno teológico do Cristianismo que agradava um grande número de pastores, bispos e teólogos universitários. Já fazia muito tempo que percebera a contribuição de religião para o nacional-socialismo; outra questão porém é, como teologia tirava proveito de racismo e nacionalismo. Porque um número tão grande de teólogos e pastores protestantes alemães foi atraído pela teoria de raças e que criou uma autêntica teologia de raças? Quais ganhos teológicos alcançaram pelo racismo?
O relacionamento entre anti-semitismo cristão-teológico e anti-semitismo racista secular já estava sendo discutido multifariamente por historiadores e teólogos. Geralmente concordava-se em que o anti-judaísmo cristão seria um fenômeno que se distinguisse do anti-semitismo moderno. As raízes deste jazem em pensar que se baseia em categorias econômicas e racistas, razão por que doutrinas cristãs não estão sendo consideradas como responsáveis para o anti-semitismo.6 Esse argumento reflete em parte a opinião amplamente difundida de que o Cristianismo seja uma religião universal, a qual está aberta para todas as pessoas humanas, e isso em contradição ao Judaísmo, que junta religião com etnicidade.
Faz pouco que Denise Buell pôs essa suposição em questão. Mostrou que a universalidade do Cristianismo é uma construção moderna, enquanto o Cristianismo antigo mesmo, no entanto, se definia por etnicidade.7 A descrição do Cristianismo em categorias racistas, a qual entrou no primeiro plano com o nacionalismo alemão pode, portanto, também ser vista como revivência de correntes no Cristianismo primitivo, tanto mais quanto é certo que aqueles que eram engajados no movimento nacional ambicionavam um cristianismo alemão. A eliminação do judaico do Cristianismo motivava uma religião cristã concebida em categorias racistas e a auto-certificação desta como religião étnica. Ao mesmo tempo, foi desfocalizada a influência judaica ao Cristianismo em nascimento, negando ao Judaísmo o status duma religião definindo, no lugar, os judeus como raça e simultaneamente uma luta de raça entre judeus e arianos.
A afinidade entre protestantismo alemão e retórica racista está, porém, ancorada, ainda mais profundamente do que somente em comundades, em opiniões de doutrina determinadas sobre os judeus. Teóricos de raça se ocupam com a definição da natureza espiritual daqueles que estudavam. Walter Wust, professor para ciência de línguas na universidade de Munique e reitor desta de 1941-45, esclareceu, como diretor do centro de pesquisa "Das Ahnenerbe" [A herança dos antepassados] - que fora fundada pelo líder da SS [Schutzstaffel = Escalão de Proteção, uma organização paramilitar nazista] Heinrich Himmler para pesquisar as origens indo-germânicas — a ligação entre raça e religião: "Hoje sabemos que religião é propriamente uma atividade espiritual-corporal e que ela é portanto racista."8 A religião podia, no contexto da SS, de fato sobreviver somente como fenômeno racista novamente definido.
Pensar racista brota organicamente das dicotomias corpo-espírito, aproveitando-se facilmente da teologia cristã de encarnação. Originalmente, a teoria racista moderna acentuava, não tanto a inferioridade do corpo de determinadas pessoas como degeneração da sua moralidade e mentalidade e a pretensa ameaça que degeneração ("Entartung") tal representa para as raças superiores. Fisionomia nunca está ficando sozinha. Antes, os teóricos de raça modernos viam o corpo como portador da alma, logo de capacidades morais e espirituais. É a ameaça moral e espiritual por raças degeneradas — como por exemplo os judeus — sobre a qual os racistas estavam preocupados. Os corpos degenerados dessas raças, porém, eram portadores das suas mentalidades estragadas, mas não a base do ser degenerado. A carne é, para o pensar racista extremamente importante, porque não é simplesmente só um símbolo para o espírito degenerado. Antes, degeneração moral se encarna dentro do corpo, assim que ambos não podem ser separados um do outro. A relação decisiva entre corpo e alma, que determina o discurso racista moderno, reflete o dilema corpo-alma, a parte coração da metafísica cristã. Exatamente isso é o carimbo que o Cristianismo imprimiu à filosofia ocidental.9 A categoria "raça" revivia outra vez a distinção cristã clássica entre carnalidade do Judaísmo e a espiritualidade do Cristianismo.
A teologia racista levanta, para além do repúdio do Judaísmo no Cristianismo, também a questão pelas semelhanças entre o discurso teológico e o de raça. Esse pode ser lido como discurso religioso de moralidade e espiritualidade. Este pode, pela sua acentuação de moralidade e espiritualidade, também ser lido como discurso religioso. Raça está finalmente ocupada, não com biologia, mas antes com o espírito humano. Teóricos de raça se ocupam com graus da degeneração moral e espiritual e com os perigos que partem daí para a sociedade. Esses perigos se exprimem na anatomia e fisiologia.
O nariz judaico, por exemplo, não é perigoso como tal, mas corporiza - encarna — a decadência moral.
O sangue é, tanto para a raça quanto também para a teologia — de importância central, pois liga espírito e corpo, o humano e o divino, a metáfora e a realidade física. A teologia se move dentro do âmbito do sangue, falando de gradações da transubstanciação como a presença atual ou simbólica do divino na matéria. O racismo postula, igualmente como a teologia, a presença de qualidades morais e e espirituais no sangue, no nariz, na cor da pele, no cabelo e assim em diante, criando assim raça por discurso teológico. É portanto também não para admirar que o nacionalsocialismo, nos primeiros anos, manifestou o seu apoio para a Igreja, p.ex. quando Hitler se apresentava a si mesmo como homem religioso que defendesse a fé cristã contra os inimigos da Igreja, os bolcheviques e os judeus. Hitler usava o Cristianismo manipulativa e bem-pensadamente, sendo encorajado para isso pela nascente teologia de raça.10 Nesse sentido, a teologia do instituto pode ser vista como algo que o Cristianismo tratava com corpo e o nazismo tratava com espírito, isso é como tentativa de encarnar o nazismo no Cristianismo.
Está sendo assumido usual mas falsamente que o racismo moderno defendia a noção duma essência imutável. Imutabilidade biológica, argumenta-se, distingue o racismo moderno de formas de preconceito anteriores.11 Enquanto a Igreja se desempenhava na sua história pela conversão dos judeus ao Cristianismo, racistas modernos, depois dessa argumentação, recusam a possibilidade da conversão de judeus ao Cristianismo, porque o ser judeu é qualidade biológica que não pode ser aniquilada. Essa suposição, porém, passa por cima da complexidade do pensar racista. Onde quiser que pensamentos racistas se impusessem, sempre se supôs que o status rassico, por exemplo por um matrimônio, se pudesse mudar, razão por que a mistura de raças era assunto central do racismo europeu. No "Terceiro Império", judeus foram rassicamente revalorizados quando casaram com ariano, enquanto arianos pioravam a sua raça por um matrimônio com um judeu. A violação da descendência ariana pura era considerada como algo que, pela contaminação do corpo, podia acontecer facilmente demais. Teoria de raça referia-se portanto, não só à superioridade dos arianos, mas sim também à vulnerabilidade desses por contaminação por raças inferiores e à degeneração que seguiu àquela.12
A obra do conde Joseph-Arthur de Gobineau (1816-82), que influenciou Houston Steward Chamberlain, Alfred Rosenberg e Hitler, é um bom exemplo pelo argumento de que mistura de raças efetuou a degeneração dos arianos europeus.
O medo ariano de pureza rassica comprometida que se expressou em leis severas que proibiam relação sexual com não-arianos, mostra que se cria que relações sexuais fossem responsáveis por mudanças, que pudessem suceder até sem concepção ou reprodução. Isso chega a ser claro no livro bestseller "O pecado contra o Sangue" de Artur Dinter, no que crianças de um par ariano foram deterioradas porque a sua mãe muitos anos antes tinha uma relação sexual a um judeu, pela qual o seu sangue foi contaminado a longo prazo.13
Dinter era ativo em política nacional nazista na Turíngia durante a década dos 1920. Era membro da NSDAP [Nazionalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei = Partido Nacional-Socialista de Trabalhadores, o partido nazista na Alemanha] com o número 5 servindo como Gauleiter [gerente de distrito] do partido na Turíngia, mas foi, em 1928, excluído do partido.
Nos teóricos modernos de raça e dos seus popularizadores literários, formiga para assim dizer de tais fantasias sobre a perda da pureza rassica-espiritual via o corpo. Nos sistemas religiosos, a vulnerabilidade do sangue ariano para o ser deteriorado com semente judaica reflete a vulnerabilidade da santidade pelo profano. Isso ilustra que a instabilidade da raça, mas não a sua imutabilidade, está no centro da sua invenção. Ann Stoler chega, no seu trabalho sobre raça e colonialismo à conclusão seguinte: "A força do discurso racico jaz exatamente na vista dupla, que o permite, a saber no fato de que combina imaginações de consistência e capacidade de fluir num modo fundamental para a sua dinâmica."14 Nenhum ariano era imune contra judaização ("Verjudung"), nem o nazista apaixonado. De fato a acusação de pensar judaico (por vezes chamado de "farisaico") foi freqüentemente levantada, quando simpatizantes nazistas presunçosos trocavam acusações entre si.15
Por exemplo, Hans von Soden, professor para Novo Testamento na universidade de Marburg e adversário dosDeutsche Christen [Cristãos Alemães], num panfleto privadamente impresso, chamou o livro de Grundmann "Jesus o Galileu" uma peça de erudição "farisaica", porque tentou construir Jesus como um ariano. Grundmann, por sua vez, culpou ideólogos anti-cristãos nazistas pela afirmação deles de que Jesus era judeu, de terem sido judaizados ("verjudet") pelo filósofo judaico do século 18, Moses Mendelssohn.
O que aumentou o relacionamento entre teologia e raça, é a questão do sangue, que ligava teologia cristã e discursos racistas. Pelo sangue a raça está sendo, segundo a maioria dos discursos de raça do tempo nazista, transportada e transferida. E também é o sangue que pretensamente conduz consigo o sexo e o transfere. No centro simbólico está o sangue de Jesus, o qual está tanto salvador quando sacramental, e isso porque ele o derrama e o fiel o engole na eucaristia. A centralidade do sangue, tanto para a narrativa cristã quanto a nazista, permitia um parentesco entre os dois sistemas de pensar, mas deu também ao mesmo tempo motivo para briga e conflitos. No nacionalsocialismo, era-se fixado e determinado pelo sangue, assim que não havia nenhuma possibilidade para mudança ou conversão. O entendimento luterano da transubstanciação era, porém, menos estrito: O vinho não era o sangue real, embora se tratasse da presença real de Cristo no vinho e na hóstia. Poder-se-ia achar que a eucaristia foi, com o surgimento do nazismo, novamente determinada, para lhe dar um significado mais firme e menos simbólica, isso é: fazer a definição de sangue mais rígida, pondo-a em consonância com a teoria de raça. Mas definições novas da eucaristia não tiveram lugar.16 A atitude anti-doutrinária dos Deutsche Christen não se referia ao melhoramento de dogmas tradicionais. A eucaristia foi celebrada nas igrejas protestantes durante o "Terceiro Império" de modo plenamente convencional, também nas igrejas que foram gerenciadas por Deutsche Christen.
Como religião de encarnação, o Cristianismo se encontra na crista estreita entre humano e divino, entre carnal e espiritual e entre judaico e cristão. Essa instabilidade foi trazida à luz pelo historismo teológico e por perguntas de teólogos judaicos do século 19: Onde começa o Cristianismo propriamente termina o Judaísmo? A pessoa de Jesus está nisso o centro de rotação e de pólo: Ele é ao mesmo tempo judeu e fundador do Cristianismo. Jesus começa a sua vida como judeu, mas o termina com cristão. O Cristianismo é somente alcançado, assim o implica o narrativo da vida de Jesus, por um processo de surgimento, por uma limpeza religiosa, a qual tenta livrar o judaico do cristão. Esse judaico, o que está plenamente carnal nem plenamente espiritual, apresenta uma ameaça indeterminada, vaga. Pois o judaico não pode depois eliminar nem o corpo nem o espírito, penetrando pelo um no outro, assim que suje o corpo ou o espírito pela decomposição do espírito. A pureza do eu pode ser alcançada pela cristianização do eu, o que significa abolição do judaico, e isso exatamente como uma limpeza do judaico caracteriza a criação do cristão. Daí, o surgimento da teologia racista protestante nos primeiros decênios do século 20 deveria ser visto, não somente como resposta ao desenvolvimento político na Alemanha, mas sim como confirmação da aporia de Jesus, o judeu, que era o primeiro cristão.
O historismo teológico era fascinado pela possibilidade de poder fixar a data das origens cristãs. Mas "como não é possível traçar uma fronteira claramente definida entre realidade e imaginação"17, como James Donald disse, também as reconstruções do Cristianismo primitivo são sempre imaginativas e sempre, para falar com Michel de Carteau, um rumor: "Lugares em que andam fantasmas são os únicos nos quais pessoas humanas possam viver."18 As raízes do projetos de desjudaização do instituto são altamente imaginativos, podendo ser seguidas para trás até às questões pela identidade de Jesus, as quais já foram levantadas já nos primeiríssimos momentos da auto-informação cristã-teológica.
Mas a questão pela identidade de Jesus chegou a ser ainda mais fundamental e palpitante quando se começava examinar historicamente as origens do Cristianismo no século 19, e isso no quadro da recusa da doutrina de fé e do sobrenatural. A teologia era para ser fundada no Jesus histórico, no seu comportamento e nas suas doutrinas. Enquanto então muitos fatores políticos, sociais e econômicos contribuíam para a subida do anti-semitismo na Alemanha moderna, surgiu também, como resultado do processo teológico interno no Cristianismo o Jesus ariano. Simultaneamente, trouxe à luz uma conseqüência do método histórico-crítico da teologia protestante liberal.
Não era, porém, tarefa simples afastar o judaico do cristão. Junto com outros nazistas, Alfred Rosenberg percebera a dificuldade dessa tarefa e levou os esforços dos teólogos cristãos ao ridículo. Afirmou que sobrasse nada, quando se afasta o judaico do cristão. Até os membros do instituto não estavam de acordo sobre a resposta à questão de que então seria exatamente o judaico que precisasse ser eliminado. O Antigo Testamento para fora da Bíblia? O judaico para fora de Jesus? Paulo para fora do Novo Testamento? O hebraico do livro dos cantos? A tarefa era imensa. Com cada esforço surgia uma tarefa nova.
Em novembro de 1933, a exortação do diretor dos Cristãos Alemães Berlinenses, Reinhold Krause, de que o Antigo Testamento seria para ser repudiado, chocou; menos perturbadora era em 1039 a declaração de Jesus para ser ariano; e ao redor de 1942, quando o assassínio nos judeus corria, a eliminação do Judaísmo não era mais de interesse central, sendo substituída por tentativas de produzir uma síntese do teutônico com aquilo que sobrava do "cristão" "desjudaizado".
Enquanto as origens racicas do sangue de Jesus não eram bastante certas para poderem ser declaradas arianas, a identidade de Paulo não deixou uma indeterminação tal. Como Paulo, nos seus próprios escritos, se designava como judeu e fariseu, uma conversão de Paulo ao Cristianismo era inaceitável segundo o esquema racista dos nazistas, o qual declarou impossível que um judeu se pudesse dispensar do seu ser judeu. Mas uma recusa de Paulo teria minado a teologia cristã e especialmente a obra de Martinho Lutero, cuja afinidade a Paulo representava um dos fundamentos da Reforma. A observação rigorosa do método histórico-crítico, o qual era central para o trabalho do movimento dos Cristãos Alemães, era uma ajuda no demascar o judeu Jesus fazendo visível o ariano autêntico. Mas os mesmos métodos forçavam para o reconhecimento do fato de que Paulo era invariavelmente um judeu. Além disso, os Cristãos Alemães aceitaram os métodos da escola de história de religião, mas o interesse teológico desviado da doutrina paulina e virado a Paulo como a um indivíduo religioso. Assim, atenção ulterior à formação espiritual de Paulo nos fariseus, ao ambiente histórico, bem como ao seu fundo de formação e o ambiente cultural daquele tempo.
As "tentativas de desjudização" no nível teológico eram finalmente um empreendimento inútil. Mas o próprio empreendimento tinha conseqüências que foram longe além do movimento dos Cristãos Alemães. Em consideração entra aqui o efeito que propaganda anti-semita desenvolvia. Em disfarce religioso, dentro da sociedade nazista, a qual pretendia a produzir uma Europa "limpa de judeus". Outra conseqüência é o efeito ao discurso teológico depois da guerra o qual, embora se abstivesse das exortações para a eliminação do judaico, nem por isso continuava alguns das mesmas pressuposições referentes à natureza religiosamente deteriorada do Judaísmo e da adversidade de Jesus contra aquela. Ambos os aspetos apontam inexoravelmente ao significado mais profundo de que a teologia cristã se batia com vergonha sobre as suas origens no Judaísmo.
O Jesus ariano era polissêmico. Segurava a identidade alemã, rejeitando os judeus. Com isso participava numa tradição longa de teologia cristã, a qual definia o Cristianismo em condição ao Judaísmo. O instituto assumia essa tradição teológica, enriquecia-a com o anti-semitismo da década dos 1930, empacotando-a novamente como teologia cristã tanto para o regime nazista quanto para a Igreja.
Como teologia anti-semita podia sobreviver o Terceiro Império e (sem a palavra "ariano", pois essa era deixada cair depois de 1945) e entrar na Alemanha depois-guerra, como se seria um pensar cristão legítimo. A ficção de que a Igreja estava em oposição ao nacionalsocialismo e de que os nazistas eram anticristãos permitiam aos teólogos esquivar-se do exame exato, ao qual outras tradições e instituições culturais alemãs depois da guerra se precisam submeter.
Notas literárias 1 a 18: no fim do texto alemão!
Tradução do texto alemão: Compass-Info Online Extra Nr 67 Wie Jesus im deutschen Protestantismus zum Nazi wurde
Tradução: 4/3/2008