Conforme vimos no último capítulo, no fim das contas deus autorizou a Balaão que fosse com os moabitas. E lá foi ele montado em sua jumenta Josefina. Só que aconteceu um negócio meio chato: Javé tomou licor de jenipapo, esqueceu-se que tinha deixado o cara ir, e ficou muito chateado. Não é a primeira vez que ele fica chateado então mandou um anjo para encontrar Balaão no caminho.
E lá foi o anjo, voando com seu GPS na mão até encontrar o profeta na estrada, dormindo no lombo da jumenta. Então o anjo postou-se no meio do caminho. Balaão não viu nada, claro, mas a pobre da Josefina assustou-se e saiu da estrada, enfiando-se numa plantação. A saída da estrada causou um tranco que acordou Balaão. O profeta ficou puto:
— Ô jumenta filha da peste! Quem foi que mandou você sair da estrada? Quem foi?
E deu várias bordoadas na Josefina que, resignada como é da natureza asinina, voltou para a estrada sem reclamar. O anjo ficou puto com o contratempo e voou para outro ponto da estrada, onde o encontro fosse inevitável, e Balaão, é claro, dormiu de novo. O anjo ficou em pé num ponto do caminho entre duas plantações de uvas, que tinha um muro de cada lado. “Ah, dessa vez ele me vê”. Qual o quê! Dormia feito uma pedra enquanto a jumenta, mais uma vez assustada pelo anjo, começou a andar rente ao muro para tentar desviar-se dele. Balaão, sentindo a perna prensada contra o muro, acordou de novo, mais furibundo ainda. Desmontou e começou a xingar e bater na jumenta — “Ô Josefina feladaputa sem-vergonha mal parida!” — infelizmente de costas para o anjo, que apenas balançou a cabeça com ar impaciente e foi procurar um lugar melhor do caminho.
Balaão montou de novo e prosseguiu viagem resmungando contra a jumenta. Em pouco tempo, embalado pelos próprios resmungos, pegou no sono de novo. O anjo, por sua vez, havia se colocado numa parte estreita do caminho, por onde só passava mesmo a jumenta. Ao ver o anjo pela terceira vez, Josefina pensou “Puta merda, é hoje…” e deitou-se no chão. Balaão saiu do sério de vez:
— Ô JUMENTA DESGRAÇADA DA PESTE DA MOLÉSTIA DO CÃO! Ô JUMENTA AMALDIÇOADA! JUMENTA SEM JEITO! ARRE ÉGUA!
— Égua não. Jumenta. Mais respeito, por favor.
— !!!
— Balaão, que te fiz eu para ser tratada de forma tão cruel? Já me surraste três vezes, e proferiste inúmeros impropérios. Que pretendes com tal atitude?
— Er… Josefina… Desde quando você fala?
— Não vem ao caso. Responda-me, Balaão.
— É que você tá esquisita que só a gota hoje, Josefina! Eu juro por tudo que é mais sagrado que se eu tivesse uma
esmada espada aqui, enfiava ela no teu bucho.
— Balaão, não tenho te servido por toda vida? Alguma vez apresentei comportamento estranho ou bizarro?
— Não…
— Então olha atrás de você, paspalho.
Balaão olhou e levou um susto danado ao ver o anjo em pé no meio do caminho,
esmada espada na mão.. Caiu de cara no chão, implorando piedade. O anjo nem deu bola:
— Balaão, cê tá doido? Por que bateu na pobre da jumenta, uma bichinha tão leal e trabalhadeira, e além de tudo inteligente pra danar? Ela estava agindo de forma estranha por minha causa, porque eu fui mandado pra te matar. Aliás, se ela não tivesse me visto, cê já tava morto a essa hora.
— Mas… Mas Javé disse que eu poderia seguir viagem desde que fizesse apenas o que ele mandasse.
— Falou é?
— Falou. Aqui, ó.
— Rapaz, que negócio estranho… Olha, cá entre nós: O hômi tá num fogo só.
— E é? Foi o quê? Licor de jenipapo?
— Foi.
— Homem rapaz, licor de jenipapo é o cão!
— Pois é. Peraí que eu vou ligar pra ele… Aham… Alô. Senhor? Sou eu. Eu, o anjo que o senhor mandou pra matar o Balaão… Não, Bambalalão não. BALAÃO… Sim, mandou… Ah é? Sei… Sei… Tudo bem… Tá certo… Tá certo… Pode deixar… Sei como é… Toma um café forte e vai se deitar, é o melhor que o senhor faz. Tá bom… Tá… Tchau. É, Balaão, ele se confundiu um pouco. Tá mamado, coitado. Cê pode seguir seu caminho e fazer o que Javé mandar.
Que beleza! O cara esquece da ordem que deu e por isso quase mata um inocente. Não fosse a Josefina, que com ser leal à toda prova ainda era arretada de inteligente, a história de Balaão terminava aqui mesmo. Mas graças a Josefina ele seguiu viagem e chegou bem ao palácio de Balaque, que veio recebê-lo:
— Bambalalão!
— Balaão, majestade. Meu nome é Balaão.
— Sim, sim, que seja. Por que você não veio da primeira vez que eu mandei te chamar, rapaz? O assunto é urgente! Será que você achou que eu não teria condições de te pagar bem?
— Ô seu rei, eu tô aqui, não tô? Então pronto, não vamos revirar esse assunto, que negócio assim é feito merda: quanto mais a gente cutuca, mais fede. Vim pra cá, é isso que importa. Mas ainda não garanto que vá ser de grande serventia pro senhor não. Só vou poder dizer o que Javé ordenar.
— Javé?
— O deus dos israelitas.
— DOS ISRAELITAS??? Cê tá do lado deles, Balaão?
— Tô do lado de ninguém não senhor. É uma história comprida demais, deixa isso pra lá. Vamos logo com isso, vamo simbora, vamo simbora, vamo simboooora!
Diante da impaciência de Balaão, o rei Balaque tratou logo de começar os preparativos para a mandinga contra os israelitas, começando por ir com o profeta até a cidade de Huzote para oferecer sacrifícios de touros e ovelhas a seus deuses. Balaque deu um pouco da carne sacrificada a Balaão e aos mensageiros que haviam ido buscá-lo.
Tudo muito bom, tudo muito bem, mas as coisas não aconteceram de acordo com os planos de Balaque. Como veremos no próximo capítulo.